Diante da pandemia declarada, decorrente do Covid-19, muitos questionamentos têm permeado o ambiente empresarial. Diante desta demanda, faremos algumas considerações com base na legislação vigente, bem como, em relação às manifestações de órgãos oficiais sobre o tema. Nosso objetivo, com este informativo, é auxiliá-los enfrentar as situações que possam decorrer da pandemia.

Temos como plano de fundo deste cenário a Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/90) que prevê que a saúde é um direito fundamental do ser humano, cabendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º); contudo, o dever do Estado não afasta o dever de todas as pessoas, seja em face da respectiva família, empresa e a nível de sociedade (art. 2º,§ 2º). Ou seja, somos todos responsáveis pela promoção da saúde do ser humano, o que significa, na atual conjuntura, tomarmos as medidas corretas e seguras para que este direito fundamental seja atingido.

Em 06 de fevereiro deste ano o Governo Federal sancionou a Lei nº 13.979, que dispõe sobre medidas de enfrentamento da pandemia do Covid-19. Dentre seus artigos, contamos com o artigo 3º, § 3º, que aduz: “Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”. Sendo assim, eventuais ausências ao trabalho, que tenham como causa isolamento ou quarentena decorrente do Covid-19, serão consideradas como faltas justificadas.

Importante delimitar que, para fins da Lei nº 13.979/2020, o que significa isolamento e quarentena:

“Art. 2º  Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.”

Portanto, caso haja empregado em isolamento ou em quarentena, deverá ser aplicado a ele o regime de faltas justificadas previstas na CLT, em seu artigo 473 (“O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário”).

Para os trabalhadores que não estão contaminados ou com suspeita de contaminação, uma alternativa que as empresas possuem a fim de evitar aglomeração de pessoas é a adoção de teletrabalho aos seus empregados (àqueles cuja atividade permite o exercício remoto). Referida modalidade de prestação de serviço é expressamente autorizada pela CLT, em seu artigo 75-C, contudo, possui requisitos de validade que devem ser cumpridos pela empresa (principalmente aditivo contratual escrito prevendo a modalidade de teletrabalho e a concordância do empregado). Sugere-se que seja inserido no aditivo contratual que a prestação de serviço na modalidade de teletrabalho é temporária e decorre da pandemia do Covid-19, sendo assim, cessada a pandemia, o contrato de trabalho voltará a ser prestado na modalidade presencial.

Para os empregados cuja atividade não possa ser exercida em teletrabalho, o empregador possui a possibilidade de fazer a redução da jornada com a redução proporcional do salário (modalidade de Lay Off), conforme autorização da Lei nº 4. 923/65, art. 2º. Referida redução necessita que alguns requisitos sejam cumpridos, para que tenha validade:

“Art. 2º – A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

§ 1º – Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembleia geral dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas as normas estatutárias.

§ 2º – Não havendo acordo, poderá a empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por intermédio da Junta de Conciliação e Julgamento ou, em sua falta, do Juiz de Direito, com jurisdição na localidade. Da decisão de primeira instância caberá recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do Trabalho da correspondente Região, sem efeito suspensivo.

Nos moldes do artigo supratranscrito, verifica-se ser possível enquadrar a atual conjuntura econômica em uma hipótese justificadora da redução de jornada. Para que tenha validade, precisa ser feita por meio de Acordo Coletivo de Trabalho e homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, ter prazo determinado de até três meses (há possibilidade de prorrogação), desde que a redução salarial não exceda 25% do salário contratual nem contemple salário menor que o mínimo. Corroborando com esta possibilidade, a CLT, em seu artigo 503, afirma que:

“É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

Parágrafo único – Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.”

A CLT prevê também a possibilidade de interrupção do trabalho decorrente de força maior que determine a impossibilidade de sua realização, conforme dispõe o artigo 61, § 3º. Para esta hipótese, que pode ser aplicável a pandemia que estamos passando, o empregador poderá suspender suas atividades pelo tempo necessário e, quando estabilizada a situação pandêmica, poderá recuperar as horas não laboradas com a prorrogação de jornada pelo tempo necessário até o máximo de 2 (duas) horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, respeitando-se o limite de 10 (dez) horas diárias, em período não superior a 45 (quarenta e cinco) dias por ano. Esta recuperação está sujeita à prévia autorização da autoridade competente.

Outro importante instituto que pode ser utilizado pelos empregadores neste momento é o banco de horas (art. 59, § 2º da CLT), que consiste no excesso de horas laboradas em um dia poder sem compensada pela correspondente diminuição em outro. Como a demanda que as empresas estão enfrentando neste momento é, muitas vezes, para que paralisem suas atividades imediatamente, entende-se que os dias não laborados enquanto a pandemia está declarada poderão ser lançados como horas negativas no banco de horas e compensados com labor em outros dias. Para compensação das horas negativas lançadas no respectivo banco os empregadores deverão respeitar o limite diário de até 10 (dez) horas, ou seja, se um empregado tem jornada diária de 8 (oito) horas, poderá trabalhar até 2 (duas) horas a mais por dia, com a finalidade de compensar as horas não laboradas que integraram negativamente o banco de horas. Como regra geral, o banco de horas deverá ser pactuado por Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho e sua compensação poderá ocorrer no período máximo de um ano. Entretanto, o § 5º do artigo 59 da CLT prevê que o banco de horas poderá ser pactuado por acordo individual escrito, com compensação máximo no período de seis meses, sendo assim, prescinde de atuação sindical para a pactuação desta modalidade de banco de horas.

Ainda, as empresas podem adotar outro modelo de Lay Off, previsto no artigo 476-A da CLT, que consiste na suspensão do contrato de trabalho por no mínimo 2 (dois) e no máximo 5 (cinco) meses para que o empregado participe de cursos ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador. Referida opção depende de autorização mediante Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho e da concordância do empregado. No período de suspensão contratual não há o pagamento de salário, podendo o empregador conceder uma ajuda mensal compensatória, cujo valor deve ser convencionado na negociação coletiva. Para a validade desta suspensão do contrato de trabalho, é imprescindível que seja ministrado o curso ou o programa de qualificação profissional. Para que esta modalidade de Lay Off seja adequada em tempos de pandemia de Covid-19, o curso ou programa de qualificação profissional que o empregador ofertará deverá ser ministrado no sistema de aulas a distância (EAD), evitando-se aglomeração de pessoas.

Muito se fala sobre a possibilidade de concessão de férias (coletivas ou individuais) aos empregados neste período. Em relação às férias individuais, o empregador precisa formalizar por meio de aviso escrito ao empregado, com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência (art. 135, CLT), que pretende conceder as respectivas férias; este requisito legal torna difícil a implementação prática desta opção pelo empregador. Em relação às férias coletivas, há necessidade de comunicação à autoridade competente com antecedência mínima de 15 dias (especificando período e setores abrangidos), bem como, no mesmo prazo, deve haver comunicação ao sindicato da categoria e a afixação de aviso nos locais de trabalho. Por exigir prazo de 15 dias para o cumprimento dos requisitos legais, a concessão de férias coletivas também configura medida de pouca efetividade imediata. Há sim a possibilidade de os prazos mencionados acima serem flexibilizados em face da conjuntura pandêmica que vivemos, invocando-se o artigo 8º da CLT, contudo, trata-se apenas de mera possibilidade, sendo que, por ora, referidos prazos de comunicação devem ser respeitados.

Também merece destaque o fato de as férias serem um período que o empregado tem para reestabelecer suas energias que foram gastas com o trabalho, é um período destinado ao descanso. São consideradas direito fundamental do trabalhador, previsto no artigo 7º, XVII, da Constituição Federal. Diante da finalidade das férias e de seu status de direito fundamental, deve ser considerada a possibilidade de, judicialmente, a sua concessão neste período ser invalidada, por não permitir ao empregado sua fruição de forma plena (em face das restrições impostas pelo Covid-19).

Outra opção possível de ser adotada é a concessão de licença remunerada aos empregados. Na prática, os empregados não trabalham, mas recebem seus salários. Referida hipótese se torna mais atrativa quando se fala em licença remunerada por mais de 30 (trinta) dias, pois, nos moldes do artigo 133, II, da CLT, o empregado que gozar de licença remunerada por mais de 30 (trinta) dias não terá direito a férias, apenas ao terço constitucional. Inicia-se após o período de licença remunerada o decurso de novo período aquisitivo de férias (art. 133, § 2º, CLT).

Caso haja necessidade de paralisação total das atividades da empresa por período superior a 30 (trinta) dias, poder-se-á optar por manter a remuneração de todos os empregados, enquadrando-se na hipótese do artigo 133, III, da CLT, o qual prevê que o empregado que não prestar serviços por mais de 30 (trinta) dias, com percepção do salário, em virtude de paralisação total ou parcial das atividades da empresa perde o direito às férias. O terço constitucional continua devido.

Não se pode esquecer que o artigo 611-A da CLT prevê que os instrumentos de negociação coletiva têm prevalência em relação à lei quando dispuserem sobre jornada de trabalho, banco de horas, teletrabalho dentre outros institutos. Sendo assim, neste momento complexo que estamos atravessando, a negociação coletiva mostra-se uma aliada do empregador, que pode valer-se dela para adequar a sua realidade com a legislação vigente. Nessa hipótese, caso sejam reduzidos salários e jornada, vale ressaltar que é necessário estabelecer também garantia de emprego. 

Cabe, por derradeiro, destacar que o conteúdo apresentado tem caráter meramente informativo e não tem a pretensão de exaurir as possibilidades acerca do tema.Ainda, que as hipóteses aventadas neste informativo devem ser avaliadas por cada empresa, para que seja possível identificar qual delas será a mais adequada para atender as necessidades empresariais e dos empregados. Deve-se levar em consideração, ainda, a existência de convenções e acordos coletivos já pactuados, para análise pormenorizada de cada situação elencada.

Importante: as considerações feitas neste informativo têm por base legislação e documentos oficiais publicados até o dia de 18 de março de 2020. Caso sejam publicados novos documentos, leis ou medidas provisórias que afetem as recomendações aqui externadas, faremos um novo informativo.

Alana Borsatto Nunes e Silva

OAB/PR 54.365

Paloma Vanin Marcante

OAB/PR 74.582

Tiago Nunes e Silva

OAB/PR 57.892